Da peça inteira às suas partes, muitas são as formas de homenagear a carne de borrego na cozinha. A tradição, aliada às receitas mais contemporâneas, trazem para a mesa pratos tão diversos, como saborosos. É só saber explorar.
“O borrego é uma carne que se ama ou odeia, mal preparada torna-se sebosa e gordurosa, mas, na realidade, tem imensas qualidade”, afirma Vicente Themudo Castro, crítico gastronómico e apreciador desta carne. “Como em tudo nesta vida, a gordura é má se for consumida em excesso, e é claro que também temos de ter cuidado para que a preparação não elimine as boas propriedades vitamínicas, proteicas e gordurosas desta carne”, continua.
Segundo Vicente Themudo Castro, o borrego assemelha-se muito ao bacalhau, no que diz respeito ao número de formas em que é possível confecioná-lo, embora acrescente que “o ensopado é o que acabamos por reconhecer com mais facilidade, pois é a forma como é mais consumido na Páscoa/Primavera e não só no Alentejo, mas em todo o território”.
MIL E UMA FORMAS DE COZINHAR
Tradicionalmente, o borrego era cozinhado inteiro ou partido utilizando todas as peças e a maioria das receitas são pensadas para essa situação, à exceção da cabeça, muito presente na zona do Alentejo. “As outras peças são confecionadas de maneiras diversas, mas as receitas são pensadas para as peças inteiras. Claro que se podem comer só as costeletas de borrego, por exemplo, mas essas surgiram no seguimento de uma cozinha mais moderna. Tradicionalmente, quando o borrego era morto, era comido em família. Hoje desmembramos e fazemos receitas mais contemporâneas”, explica o crítico gastronómico.
Atualmente, “pernas e costeletas são as peças que mais vemos fora do conceito que compreende o borrego no seu todo. O lombo de borrego, por exemplo, não tem um receituário muito rico, mas copia receitas do porco ou da vaca. Este, como as costeletas, têm de chegar pelo menos aos 49ºC, mas não muito mais, para ficarem pouco passados e suculentos. Quando se deixa ficar muito mais tempo >65ªC, a carne acaba por ficar dura e sem sabor”, confidencia.
UMA COZINHA MODERNA
Nas grandes superfícies encontramos peças mais pequenas, adaptadas às (mais pequenas) famílias modernas e à pressa na confeção. Recorrendo a um receituário mais comum, podemos usar a sela inteira, o lombo recheado ou a perna com osso para assar no forno. Ou usar o chambão nos estufados, deixando cozinhar até a carne se separar do osso. Também a perna enrolada, ou o jarrete sem osso, se apresentam como soluções irresistíveis para rechear e assar no tacho, ou para preparar um ensopado. Já os bifes da perna são muito usados nas mais contemporâneas espetadas, ou em tiras, para se juntarem a saladas ou enroladas nos wraps. A pá, se for usada inteira com osso, pode ir ao forno a assar; se for cortada em cubos é ideal para uma jardineira de outono; mas preparada para bifes é uma excelente desculpa para um churrasco de verão.
As costeletas têm uma miríade de utilizações, que podem ir de fazer na grelha, levar ao forno a panar ou serem fritas na frigideira. Também podem ser servidas em espetadas, sobretudo se forem do cachaço, pois têm mais gordura, o que as torna mais saborosas. Para os palatos mais jovens, a carne de borrego pode ser servida picada, em hambúrgueres, empadões ou empadas.
HISTÓRIAS À MESA
Vicente Themudo Castro não tem receitas preferidas, mas gosta muito “do borrego que vai ao forno durante muitas horas, com massa de pimentão e que tem de ser regado com vinho branco de vez em quando. Ou o estufado, muito usado na minha família, que é metade alentejana e metade beirã”, conta. Esta é também a receita dos dias de festa, sobretudo da Páscoa e lembra um episódio a este propósito: “leio muitos livros de receitas de cozinheiros com relevância em Portugal e, um ano, encontrei uma receita em que era necessário regar o “bicho” hora a hora, durante 18 horas. Cumpri todos os requisitos, para que o prato estivesse pronto ao almoço, mas, na altura de servir, adormeci, pois não tinha dormido a noite inteira. No entanto, orgulho-me de ter completado a receita e de a ter servido à minha família. Quando tentamos fazer os outros felizes, às vezes até nos esquecemos de nós”.
VINHO A ACOMPANHAR & ALGUMAS DICAS
Em relação aos vinhos que podem acompanhar estes pratos, o crítico gastronómico diz que se pode “entrar pela técnica” e falar de castas e de temperaturas, “mas a verdade é que o ideal é usar o vinho da mesma região da receita que se está a confecionar. Se for tipicamente alentejana, devemos usar um vinho alentejano. Há uma espécie de osmose na evolução de ambos”. Acrescenta ainda que “uma boa técnica para escolher um bom vinho, é abrir a primeira garrafa enquanto se confeciona a receita. Se, no final, a garrafa estiver quase cheia, é sinal de que se tem de trocar de vinho”. Acredita que esta é uma boa técnica para o prato e para a vida. De qualquer forma, adianta que, quanto mais gordura o prato oferecer, mais jovem deve ser o vinho.
Como nota final deixa algumas dicas:
– Deve obedecer-se à região, à sazonalidade e à maturidade do bicho.
– Limpar o sebo conhecido vulgarmente por “bedum” é essencial para este não ofuscar o sabor da carne.
“É importante perceber quando é a melhor altura para comer. Na primavera, quando se alimenta de ervas frescas, estas acabam por se sentir também na sua carne. Mas, no verão, quando se alimenta sobretudo de ração, o sabor já não é tão agradável.”
– As boas facas aceleram o processo, mas é bom saber usá-las. “O mesmo acerca do forno, pois, de nada serve investirmos num topo de gama, se não soubermos usar todas as suas potencialidades.”
– Usar um termómetro também é essencial, mas é preciso saber qual a temperatura a que queremos que a carne seja cozinhada. “Mais calor não acelera o prato e menos não atrasa a cozedura.”
– A organização, quer na preparação, quer na confeção, é essencial.
E, mais importante que tudo, partilhar a mesa com aqueles de quem mais gostamos.