Os animais

Os Animais

Animais, Raças e Carcaças

São os animais que nos dão a carne. Por isso, é neles que tudo começa e tudo acaba.

Carne Maturada

A carne de bovino maturada, tem sido bastante popularizada em Portugal nos últimos anos e de certa forma virou moda pois passou a ser vista com frequência

  • Nas prateleiras dos supermercados;
  • Em pequenos frigoríficos de apoio aos Talhos das grandes superfícies separada das restantes carnes;
  • Nalguns talhos de prestígio que a consideram como um elemento diferenciador na oferta;
  • Em muitos menus de restaurantes em especial nos especializados em carnes em que esta não costuma faltar.

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Diríamos que tudo terá começado com a carne japonesa de raça Wagyu, tão afamada através da designação de Kobe que é uma comarca do Japão aonde a carne dessa raça pode ser certificada como Kobe se respeitar um volumoso e rigoroso caderno de encargos.

Essa certificação também é válida internacionalmente desde que o restaurante em causa possa ser auditado pela organização ou pelos agentes certificadores. São os famosos bois massajados com cerveja e que ouvem música clássica! Em Portugal não existe nenhum restaurante com essa certificação.

O que se se seguiu depois foi o que já se tinha passado com as raças Aberdeen Angus ou Hereford. A sua popularidade transbordou fronteiras e os bois Wagyu passaram a vir quer da Austrália quer dos EUA. Grande parte da carne Wagyu que comemos em Portugal vem sobretudo da Austrália.

Mas o que é a carne maturada afinal?

O processo de maturação da carne começa logo após o abate durante as 48/72h em que as meias-carcaças estão suspensas pelo tornozelo traseiro e são objecto da circulação de ar e humidade para assim garantir a sua sanidade. Após este período inicial é que partimos para a maturação que pode ser “dry-aged” ou “wet-aged”.
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Dry Aged

Na maturação “dry-aged”, a meia carcaça continua suspensa por mais algum tempo, que pode ser uma semana ou mesmo 15 dias.

A temperatura é de 0º a -2ºC e a humidade varia entre os 60% a 80% dependendo da fase do processo da maturação. Existem dois aspectos fundamentais para a segurança deste processo: a rigorosa higiene da camara e que a mesma se mantenha fechada se possível durante quase todo o tempo, evitando correntes de ar exterior que vão prejudicar o processo. Daí que as empresas nesse negócio optem por ter câmaras de refrigeração dedicadas exclusivamente à maturação das carnes. Existem também pequenos armários aonde se podem colocar peças e que inclusivamente se podem ver nalguns restaurantes em que a carne está suspensa à vista de todos. O que aqui se passa é que numa primeira fase, a humidade é expelida do músculo. O processo resultante de dissecação é uma concentração do aroma e sabor.
Numa fase seguinte, as enzimas naturais da carne quebram o tecido conectivo do músculo tornando a carne mais macia.

Como seria de esperar, este processo gera quebras de peso significativas ao longo do tempo pois ao perder humidade, a carne pede peso, logo o seu custo aumenta consideravelmente.

Assim sendo, é natural que esta mais valia da carne seja valorizada nos cortes mais nobres como a vazia e a ponta do acém, eventualmente na alcatra. Ou seja, dificilmente o produtor mantém a meia carcaça suspensa por mais de 15 dias, pois a perca de rendimento vai afetar toda a carne por igual, aumentando o custo dos cortes menos valorizados nos quais o benefício da maturação é mais difícil de valorizar. Quer dizer que ao final desse tempo ou menos, a meia carcaça é desmanchada, passando os entrecôte completos (vazia mais ponta do acém) para prateleiras onde podem continuar o processo de maturação que chega aos 60 e mais dias (chega a haver carnes maturada com 150 dias!!!).

Logicamente o preço pode subir estratosfericamente com o tempo de maturação, por força da perda de peso (pode ultrapassar mais de 35% do seu peso em fresco) e do capital empatado.

Este processo quando se desenvolve nestes cortes gera uma cobertura de fungos nos seus topos. Isso não quer dizer que a carne esteja estragada, antes pelo contrário! Esses fungos complementam sim o processo enzimático tornando a carne mais macia e amplificando o seu aroma. A carne ganha aqui nuances de sabor entre o doce, o salgado, ou o “cheesy” pois os processos de maturação dos queijos levam à formação de bolores com nuances idênticas. Essa crosta de fungos é aparada no final antes de a carne ser embalada ou cozinhada. O embalamento das peças é comum ser em ráfia e não a vácuo.

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Wet Aged

O outro processo conhecido de maturação é o chamado “wet-aged” no qual a carne fresca passa para vácuo e assim se mantém por um período definido pelo produtor que pode variar entre as semanas e os vários meses.

Os produtores sul-americanos são dos que mais amplificam o período em vácuo pois como é exportada para a Europa por barco pode ser consumida ao fim de vários meses, 3 ou mesmo mais ainda. A garantia de segurança desse processo começa nos próprios animais, utilizando-se de preferência mais velhos, novilhas ou machos castrados. Neste caso, as enzimas fazem igualmente o seu trabalho tornando a carne mais macia com desenvolvimento de sabor. A grande vantagem deste processo é o seu custo pois não necessita de quaisquer requisitos especiais na armazenagem, a não ser a manutenção da carne embalada entre os 0 e os 2ºC mas sobretudo porque foi embalada fresca e vai ser vendida com o mesmo peso da data de embalamento.
Neste caso, a perca é de quem a vai consumir pois pode verificar que o simples processo de vácuo gera uma sucção de dentro para fora em que o sangue / humidade retido o músculo começa a separar-se dele e quando abre o saco representa uma perda com significado.

Também teremos que acrescentar que estes processos enzimáticos na carne embalada a vácuo não tem a amplitude e profundidade dos “dry-aged” por isso podemos afirmar que não é de todo a mesma coisa.

Por fim, teremos que referir um aspecto fundamental na carne maturada, que é o do próprio processo de seleção dos animais na origem que dita a sua adequação para este processo.
Assim, uma carne que seja magra não faz qualquer sentido que venha a ser utilizada para maturação. Estão naturalmente excluídos os animais mais novos, nos quais a carne já de si é mais macia, não acrescentando qualquer valor ao processo. Isto também é verdade em relação a cortes que são naturalmente mais magros e macios mas que provem de animais criados para maturação. É o caso dos cortes do Lombo, que são já de si muito tenros e magros e que se situam no lado exterior da costela. Quer isso dizer que a sua sobre-exposição à maturação envolve uma significativa perda de peso e secagem da carne, depreciando consideravelmente o seu valor.
Daqui poderemos afirmar os tipos de bois que mais se adequam à maturação são precisamente as novilhas ou os bois que foram castrados. Como atrás referimos em ambos os casos, a castração, envolve mais docilidade e menos exercício contribuindo para a fixação da gordura intersticial que se expressa por um bonito marmoreado da carne que atesta essa aptidão. O mesmo resultado é obtido com novilhas. Também uma maior idade dos animais contribui para um sabor mais pronunciado e que é suscetível de ser reforçado pela maturação.
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Por fim, os outros dois elementos determinantes que tem a ver com o melhor desenvolvimento desses processos é o da raça dos animais, assim como o da sua alimentação. Não é por acaso que os Wagyu são os que melhor desenvolvem essa apetência e que numa fase final nem sequer saem do sítio, ingerindo mais comida e sendo tranquilizados por força das massagens e da música! Como consequência, existe uma gradação em termos de gordura marmoreada que vai de 4 a 12, quanto maior o grau, maior a gordura e o preço, claro. Não podemos deixar de referir que é na gordura que se retém o sabor em especial na marmoreada.

No que nos diz respeito, ou seja, nas raças autóctones britânicas, os factores fundamentais para a internacionalização das raças Aberdeen Angus ou Hereford é precisamente para o desenvolvimento dessa aptidão para a carne ser marmoreada conjugada com a adequada estrutura óssea do animal que permite desenvolver peso, densidade muscular e deposição de gordura.

Outro elemento fundamental tem a ver com a alimentação que no caso do UK se faz sobretudo com pasto verde (grass-fed), mais saudável pela maior componente de não saturadas, resultando numa gordura mais amarelada. No UK dado que chove ao longo do ano, quer dizer que quase sempre existe pasto disponível e apenas numa fase de acabamento é utilizado um acabamento com cereal. Noutros países como os EUA em particular, não existem as mesmas condições de pasto como no UK, quer dizer que chove pouco e que em grande parte do ciclo de vida do animal a alimentação é à base do cereal, milho e soja em particular.

A decisão de importar as raças autóctones inglesas brilhantes pela sua estrutura e conformação, significa que depois essa estrutura é preenchida com mais gordura intersticial que se desenvolve com mais intensidade com recurso a alimentação com cereal, que é comummente referida como sendo “grain fed” por oposição a “grass-fed”. É a mesma situação que se passa no Japão cujo processo leva a resultados extremos na raça Wagyu. O sabor da carne é mais acentuada pelas suas notas amanteigadas.

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Em Portugal, existe pouca tradição na criação deste tipo de animais, mas a raça Angus tem vindo a intensificar. Diríamos sobretudo que a carne maturada é obtida sobretudo de animais como as chamadas vacas velhas cuja deposição de gordura acontece de forma natural e se traduzem numa matéria prima de baixo custo quando comparada com a proveniente de bois castrados de raças nobres. Aqui poderíamos estender esse princípio para Espanha donde são provenientes as chamadas vacas “Rúbia Galega” que encontramos por todo o norte de Espanha desde a Galiza ao País Basco. Em Portugal, essa matéria prima provem sobretudo do Minho ou dos Açores, não sendo coincidência que em ambos os casos predominam as condições naturais de clima chuvoso e prado verdejante.

Daí que poderemos dizer em jeito de conclusão que, Wagyu à parte,

as raças autóctones britânicas são as que melhores resultados podem dar se o objectivo é produzir carnes maturada. No caso dos animais criados no UK, a sua alimentação a pasto permite o desenvolvimento de sabores com nuances mais complexas e diversificadas, acentuadas por uma finalização com cereal (grain-fed) para permitir a deposição da gordura com o desejável aspecto marmoreado.

Embora o marmoreado, possa ser mais acentuado nas carnes made in USA, a composição da carne britânica é mais saudável dado que aquele a alimentação grass-fed predominou durante quase toda a vida do animal.